A macieira da mãe de Newton

Num dia solarengo de verão, em Woolsthorpe Manor, Inglaterra, nos meados da década de sessenta do século XVII desta nossa era, Isaac caminhava pela quinta de sua mãe e pensava sobre o mover dos astros, em números e letras, todos entrelaçados.

Sentou-se encostado à macieira perto da casa e usufruiu da fresca sombra que esta lhe oferecia, um alívio face a este anormal dia quente de verão inglês. Ainda em seus pensares, de olhar focado no azul céu que em sua frente se expandia, uma verde maçã caiu à sua frente, numa perfeita linha reta.

Isaac viu a maçã rolar no chão até esta parar e uma ideia apresentou-se na sua mente.

*

Já o mundo compreendia o “verdadeiro” mover dos corpos astrais há mais de um século e meio, quando uma enorme tempestade abateu Woolsthorpe Manor. Os seus ventos desafiavam a sobrevivência das raízes de árvores e casas.

A família que agora aí vivia encontrava-se dentro da casa. De lareira acesa falavam sobre o quão mau o tempo estava, como as pessoas sempre fizeram desde a antiguidade, como o fazem agora e, creio eu, como o farão até a humanidade viver num hermético e controlado ambiente à escala mundial.

“Esta ventania ainda nos vai dar cabo da casa!” Dizia a mãe para as filhas. Estas tentavam brincar com uma boneca de trapos, mas o barulho ensurdecedor da tempestade era enorme e tornava quase impossível as meninas conseguirem concentrarem-se na história de rainhas e reis e príncipes e princesas que a boneca vivia.

No dia seguinte a mãe e o pai saíram à rua ainda o sol não se levantara. A luz refratada já chegava aqueles lados mas não iluminava grande detalhe, mas era suficiente para eles verem que havia destruição por todo lado. A carroça tinha sido atirada contra a parede e estava em cacos.

“Esquecemo-nos de guardar a carroça, está toda destruída!” Disse o patriarca para a esposa. Esta já estava a trabalhar, nada de preguiças especulativas e introspetivas para ela, uma mulher de ação, uma realista – ter-se-ia dado muito bem na nossa sociedade…

A mãe pegava nos pequenos ramos espalhados pelo chão e amontoava-os junto da porta. “Pelo menos não nos matou a nós nem ao burro! Isso é que era mau! Eu vou amanhar estes paus para a lareira. Vai ver como está o burro e o resto…” Era um pedido/ ordem, mas o patriarca sabia que ela estava correta e assim o fez.

O burro estava bem, no seu curral, comia como se nada se passasse. O telhado do curral estava torto mas ainda de pé, iria precisar de uns arranjos.

Perto da casa, o senhor passou pela macieira que ainda ontem ali se erigia e olhou para um amontoado de madeira maioritariamente horizontal… Ainda pensou em cortar a árvore para lenha, mas decidiu tentar replanta-la de novo.

Com auxílio de cordas, prenderam a árvore ao burro. A sua filha mais nova dava umas pancadas no animal para este puxar a árvore. Junto à macieira, a mãe, o pai, a filha mais velha e o vizinho levantavam a árvore para a sua posição original.

Felizmente a árvore sobreviveu à tempestade e continuou a dar maçãs verdes como outrora.

*

Nos anos 50 do século passado, numa reunião no Trinity College em Cambridge, antiga casa do já referido cientista – Isaac Newton – foi decidido que para celebrarem a vida e descobertas do senhor, iriam plantar uma macieira junto à entrada do colégio. Chegou-se a pensar em plantar uma macieira qualquer mas a disciplina científica da escola proibia tamanha ofensa à verdade; ficou então decidido que o Sr. John e o Sr. Thomas iriam a Woolsthorpe Manor recolher um corte da macieira original que alegadamente deixou cair sobre a cabeça do génio uma maçã que despontou uma das maiores descobertas científicas de sempre.

“Já pensaste nisto? Nós vamos buscar um bocado da árvore que o Newton, o Newton! Que criou as leis do movimento e da gravitação universal! Ele comeu maçãs daquela árvore. A árvore que o fez questionar como funcionava a gravidade!...” O Sr. John era um professor de física e tinha-se oferecido para a missão de angariar um pedaço da árvore e trazê-la para Cambridge.

“É verdade, Professor Wright.” O Sr. Thomas não se encontrava nada entusiasmado com a “missão” como John lhe chamava, era professor de Botânica e tinha sido selecionado para semelhante tarefa pois era o único presente na reunião que sabia como fazer um enxerto devidamente. Estou-me a cagar para isto! Pensou o Sr. Thomas.

Chegados a Woolsthorpe Manor, o Sr. Thomas olhou para o exemplar e disse: “Nunca tinha visto uma destas, chamam-se Flor de Kent, sabia?” Olhava na direção de Sr. John que olhava para o céu, muito como o seu colega de profissão quase 400 anos atrás.

A macieira presenteava o mundo com umas belas maçãs verdes, o Sr. John pegou numa e levou-a à boca. O Sr. Thomas ainda disse: “Não!” E tentou remover-lhe a maçã da mão mas era tarde de mais.

Belherque, está estragada!” Disse o Sr. John.

“Não são maçãs de comer, são de cozinhar… Nabo.” Acrescentou baixinho o Sr. Thomas.

Levaram o enxerto para Cambridge e daí cresceu a árvore que presenteia todos os visitantes do Trinity College - uma lembrança viva da natureza inspiradora da natureza.

Nota: A fotografia que ilustra o conto deste mês é de uma macieira descendente da verdadeira árvore da família de Newton, encontrando-se na entrada do Trinity College em Cambridge, Inglaterra.

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