O Pastor: O 50º Aniversário (6)

Embora não fosse a 1ª segunda-feira do mês, o Pastor vinha de Inverness depois de um dia de compras pois amanhã era um dia especial. Este vinha sem a sua capa, tinha um casaco de lã, um blazer e camisa, calças caqui e uns sapatos simples de sola de borracha. Caminhava pela estrada de terra batida com uma grande mochila nas suas costas; ao longe via-se o autocarro a seguir para as seguintes paragens, aliás para as paragens, o Pastor saiu onde começa este caminho, o que constituía nenhuma paragem específica.

Não chove, felizmente! Estava aquele nublado branco, não de neve, principalmente da luz solar refletida incontáveis vezes.

Caminhada a hora de caminhada até ao início do seu terreno o Pastor abriu o portão e continuou no seu decidido andar.

Chegou a casa um pouco cansado: “Ai a idade!” Disse para si mesmo. Com umas costas doridas retirou a mochila e pousou-a na mesa. Enquanto abria a mochila ouviu um barulho – Isla entrou pela porta dela e veio-o cumprimentar. A gralha estava sobre a mesa, o Pastor disse para ela sair apontando para o poleiro, a ave voou imediatamente para o poleiro e esperou. O senhor veio para junto dela e ofereceu um amendoim, o que a ave devorou sem demora alguma.

O Pastor arrumou tudo o que trouxe e foi dormir, estava cansado. Não deve ser da caminhada, estou mais que habituado a caminhar… se calhar foi de ter que lidar com tanta gente… Com estes pensamentos vestiu o pijama e dormiu, a pensar que daí a umas horas iria perfazer 50 anos. Meio século!

 

Acordou mole, com muita preguiça. Meia hora depois levantou-se pois, embora fosse o seu aniversário, as ovelhas tinham que ir pastar. Vestido e alimentado foi pastorear pelos montes escoceses até serem 3 da tarde.

As botas enlameadas ficaram lá fora e a capa a escorrer para o chão, o Pastor tomava um banho de água quente. Desfez a barba, passou imensas vezes as mãos pelas suas faces e depois penteou-se. O seu pentear, com Isla a espreitar e ele a piscar-lhe o olho pelo espelho, demorou mais de 5 minutos – hoje o seu cabelo estava muito mal comportado (provavelmente porque o cortei ontem). Queria estar arranjadinho para a ceia. Todo aperaltado, até de gravata estava, pôs o avental e foi cozinhar.

Foi buscar aos armários as coisas que trouxe ontem da cidade: farinha, ovos, chocolate,… ingredientes para fazer um bolo. Cozinhou enquanto trauteava uma música da sua infância, que porventura também era da infância de seu pai e uma das favoritas dos dois. Chegada à mais épica parte da peça, o bolo estava pronto! Aqueceu um grande copo de leite, pousou o avental e desligou a luz do teto. Acendeu um fósforo e acendeu as duas velas, a 5, e depois a 0.

Olhou, perdido em pensamentos para as duas pequenas chamas à sua frente e quando estas dançaram um movimento mais brusco (provavelmente devido a uma pequena corrente de ar ou porque Isla se mexeu na sala…) despertou de seu meio dormir. Decidiu que merecia cantar a canção dos parabéns como deve ser:

“Zum Geburtstag viel Glück,

Zum Geburtstag viel Glück,

Zum Geburtstag, lieber Wilhelm,

Zum Geburtstag viel Glück.”

Cantou toda a música num pequeno sussurro pois não queria arriscar demasiado por uma coisa tão insignificante… Insignificante mas importante o suficiente para correr este risco!

Terminada a canção soprou as velas, que morreram imediatamente e bateu três palmas simbólicas, nada sentidas, apenas para marcar o evento.

Cortou uma fatia e imediatamente sentiu a gralha a seu lado, no chão (ela sabe muito bem que não deve subir para a mesa). Olhou para ela: “Queres uma fatia? Se calhar faz-te mal… Ah! Um dia não são dias!” Deu uma fatia pequena à gralha e esta lançou-se imediatamente numa contente refeição. O Pastor comeu a sua fatia com muita calma e em total silêncio… Não conseguia deixar de pensar se os seus pais estariam vivos, se sua irmã estaria bem… se seria tio…

Terminada a fatia levantou-se, mas o bolo estava tão bom que cortou outra fatia e foi para a poltrona ler. Ficou a comer pedaços de bolo entre parágrafos.

Adormeceu com a fogueira ainda acesa e quando acordou pouco mais que umas pequenas brasas permaneciam na lareira… Levantou-se e viu que o bolo estava intacto, exceto as 3 fatias claro. Olhou para a gralha e disse “Muito bem! Boa menina! Tiveste mais juízo que este velho.”

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