Alfredo na montanha

Um ancião caminha junto de um elevado precipício, usa seu bastão de carvalho, não por necessidade de suas pernas mas por necessidade da perceção alheia. Encontra-se sozinho neste solarengo dia. Não traz nada nem para comer nem para beber. Está a subir a montanha junto da queda mortal para o mar e sorri olhando, aliás, observando o que em seu redor se mostra.

O custoso caminho termina no ponto mais elevado desta montanha. O chão está coberto de curtas ervas…Completamente estafado o velho senta-se no chão. Ele pensa: Depois desta caminhada, vai custar bastante levantar-me daqui! Mas logo de seguida argumenta para si mesmo com a razão que o levou ali: Aqui fui feliz, anos e anos atrás, feliz com quem não vive em carne e osso, mas vive em meu pensar. Ele pensa nas inúmeras vezes que viajou todos aqueles quilómetros para chegar à aldeia na base da montanha e depois caminhar o caminho que caminhou hoje. O trilho, por si só, é mais simbólico que este local. O seu simbolismo prende-se no fato deste caminho apenas existir graças aos incontáveis pisares de duas pessoas, as pessoas que são o Velho Alfredo e Sofia. Estes talharam, com o seu aventurar, uma ausência de vegetação e de rochas soltas que permite um andar mais confortável.

Alfredo adormece e sonha com a sua Sofia, nova como morreu…e velha como estaria a seu lado. De olhos fechados nestes agradáveis preâmbulos da morte, Alfredo sorri mais abertamente ao ver Sofia velha, junto a si. Enquanto dorme o dia avança num correr desvairado, quase como se tivesse pressa de se afastar deste local. O primeiro crepúsculo está a chegar e Alfredo acorda, está bem-disposto graças a sonhares belos e felizes. Já não se lembrava de estar tão feliz sem Sofia.

Agarra o seu bastão com ambas as mãos e levanta-se. Um esforço tremendo! Incrível como estar de pé e caminhar estes quilómetros custam menos que um simples ascender de seu próprio peso. Neste agarrar desfreado, Alfredo pensa: Afinal o bastão também me serve para alguma coisa. Sorri face à sua humildade.

Olha para o caminho que fez: Os convidados devem estar a chegar... Realmente eles encontram-se perto, não se passaram dez minutos de paciente espera (aquele género de esperar que se fosse imortal duraria mais que a galáxia) e já se ouviam as vozes das crianças, com certeza entusiasmadas com o fato de saberem que a caminhada está perto de terminar.

Depois das vozes vieram os vultos; digo vultos pois Alfredo não via como vira, e esta mudança não foi para uma acuidade maior… A prescrição do oftalmologista tinha dois anos e encontrava-se na terceira gaveta do armário da sala de estar à esquerda. Já agora, a seu lado está um frasco de comprimidos por terminar.

Alfredo sabe quem vem lá: a sua filha mais velha com as suas duas filhas e o esposo; vem ainda o seu filho mais velho, para ser mais preciso o do meio, sozinho, sem seus familiares criados pela vida, mas sobre seus ombros alguém que é família da nossa, H, o filho do filho mais novo de Alfredo. Este vem em último e vem de mão dada com sua esposa.

O grupo vê Alfredo e acenam, o entusiasmo claramente aumenta, desta vez os adultos também fazem barulho. Este chora umas lágrimas de alegria, sem soluçar, um culminar de tantos caminhos, de tantas dores e felicidades – toda uma vida, todo um caminho.

Já se jantaram as espetadas grelhadas com chouriço e frango e pimento vermelho. A acompanhar umas ricas batatas fritas. “Hoje não preciso de me preocupar com o colesterol!” Disse Alfredo para o grupo.

Continuam sentados em volta da fogueira. Agora Alfredo já não se encontra sentado no chão, mas na sua cadeira das caminhadas; aquela que usou, estragou e arranjou tantas vezes; a seu lado, uma velha cadeira vazia. Esta é diferente, mas já foi igual… O silêncio começa a pesar… Alfredo já esgotou a suas piadas secas e apenas chora, agora com soluços do tamanho do mundo. Chora mas sorri; sorri porque o seu despedir acontece como ele queria. As crianças não entendem o que se passa, adormecem no colo dos pais que também choram.

Alfredo já não chora, somente sorri. Alfredo já não vive, somente sorri.


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