A Pedra Angular

Nota: Uma pedra angular (ou pedra fundamental) é o primeiro bloco de pedra acima da fundação de uma construção. Em obras de importância, existe uma cerimónia de colocação da pedra angular, simbolizando o início efetivo da construção. Por vezes, cápsulas do tempo são colocadas no interior destas pedras.

 

A pedra angular

 

O monte de escombros tinha pelo menos a altura de um andar e meio, talvez dois (dependendo do pé direito). Um grupo de jovens vasculhava entre os tijolos, as vigas partidas, os estilhaços de vidro – os componentes da destruição de um edifício.

Um mês atrás, naquele mesmo local residira um enorme edifício cheio de história e importância. A Maçonaria tivera como sua principal sede naquele país aquele imóvel. Uma bela e imponente construção, cheia de símbolos repletos de significância e história. Mas de todas as histórias, tudo se concluiu numa que se revelou mentira. A descoberta que esta história era mentira já não chegou a tempo de salvar o edifício, nem o pescoço de três indivíduos.

Os jovens não sabiam de nada destes tratos políticos nem da importância do que acontecera no passado dia 3 de Agosto de 2037 - o Presidente foi assassinado usando um instrumento não identificado. A imediata investigação subsequente revelou que havia envolvência do Grande Mestre Maçónico e pelo menos dois outros mestres, amigos do falecido Presidente.

A incrível velocidade com que os três indivíduos foram a julgamento e considerados culpados foi apenas suplantada pela velocidade que a data da execução foi marcada.

Desde o dia 10 de Outubro do mesmo ano que a maioria dos edifícios que contavam como propriedade da sociedade Maçónica dentro do País tinham sido demolidos. Anteriormente à sua implosão foram despojados de todos e quaisquer documentos relevantes e objetos que poderiam ser vendidos. Claro que alguns dos objetos de maior valor e de mais fácil ocultação simplesmente não se viram registados nas enormes listas de objetos apreendidos. Listas essas que foram criadas para tornar o processo o mais claro e transparente possível.

 

Ambroos caminhava sobre um enorme monte de tijolos, no que fora o canto Sudoeste do edifício. Debaixo de alguns típicos tijolos laranjas, Ambroos vislumbrou uma enorme pedra de granito. Afastou os tijolos. A comoção chamou a atenção de outros adolescentes do grupo. Não ajudaram Ambroos pois a descoberta era dele – Quem encontra fica com Ela. Essa era a regra que como grupo tinham estabelecido e assim seria.

Ambroos olhava na direção da pedra e dos seus companheiros de arqueologia. Removidos os tijolos que a cobriam, a pedra de granito pôde ser analisada.

Uma bela pedra, bem alinhada e com uma pequena escultura em médio-relevo, provavelmente feita de cobre. Esta escultura retratava um homem com um cinzel e um martelo. Inscrito na pedra: “Arquiteto Ismail Wang – Pedra Angular Assentada pela Dra. Pranshi Ngoy – 11/11/1855”.

Ambroos fez um sinal com a mão e Camila passou-lhe uma picareta elétrica portátil.

O dispositivo foi colocado sobre a pedra, Ambroos passou um grosso cabo por todo o redor da pedra (aqui teve o auxílio de vários dos seus colegas arqueólogos pois a pedra era imensamente pesada). Passou um segundo cabo no eixo maior do pesado paralelepípedo, ficando com um aspeto semelhante a um presente de Natal, mas invés de um laço no topo, tinha um dispositivo elétrico que imite frequências elevadíssimas capazes de quebrar rocha.

Ambroos armou o dispositivo, acionou a contagem decrescente e afastou-se. Ele e os outros rapazes e raparigas correram por entre os escombros até à rua abaixo.

Estavam a mais de 15 metros da pedra angular, junto a eles estava uma placa temporária que dizia: “Aqui vivia a Organização Maçónica, inimiga do Estado do País”.

“Quanto tempo colocas-te no cronómetro?” Perguntou uma das raparigas, Gaia de nome. Ambroos tinha uma pequena paixão por ela; ela era mais velha e intimidadora.

“Dois minutos! Há que fazer as coisas o mais seguro possível…” Respondeu Ambroos, com um piscar de olho.

O dispositivo quebrou a pedra em quatro.

O grupo de jovens correu na sua direção. Ambroos afastou quem estava à frente e empurrou um dos pedaços da pedra para o lado, relevando a Cápsula do Tempo.

A Cápsula era um cilindro de vidro selado, com um documento lá dentro. Nada mais.

Ambroos pegou no cilindro e analisou-o.

“Abre! Abre!” Disseram em uníssono vários dos seus amigos.

Ambroos desenroscou a tampa. De dentro vinha um cheiro de ar estagnado, pesado, morto, do passado.

Estranhamente o papel não estava em nada alterado pelo tempo. Devia estar bem selado, em vácuo? Pensou Ambroos. Adicionalmente, o papel não aparentava o amarelado papel que se via nas aulas de História, mas sim um papel branco.

O Documento era somente constituído por uma simples página enrolada sobre si mesma, e com um pequeno fio. De pesca? Ambroos não desfez o nó do fio, simplesmente puxou a folha e esta caiu desenrolando-se um pouco.

Ambroos olhou para a folha, esta estava escrita com letras à máquina e apresentava um código QR no topo direito. Somente possuía um parágrafo escrito e depois uma assinatura:

 

“Olá meu querido Ambroos, por muito estranho que aches que é ler o teu nome aqui, as coisas vão se tornar muito mais estranhas quando hoje à noite abrires a porta de casa. Mais uma coisa, no dia 27 de Janeiro de 2099 é melhor fugires, destruíres o veículo e escreveres esta mensagem; o melhor dia de aterragem é o vigésimo terceiro de Fevereiro do ano de nosso senhor de 1854, o teu nome passará a ser Ismail Wang.

Deste que é, foi e será teu,

Ambroos Rodriguez”

 

Ambroos relia a carta pela vigésima vez quando bateram à porta. Abriu a porta e viu à sua frente o que só pode ser descrito como ele próprio, mas velho!

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