O Pastor: Uma Ida ao Cemitério (7)

Enquanto o Pastor cantava “Zum Geburtstag viel Glück” na Escócia, um carro estacionou junto do portão de um cemitério na Alemanha Oriental.

Uma senhora de seus 75 anos saiu do carro e fechou a porta. O dia estava ventoso, ela olhou para o céu e vislumbrou as nuvens a aglomerarem-se. Vai chover! Pelos vistos não vou ter tempo para falar com ele como deve ser…

Abriu o portão metálico, fazendo peso com o corpo. Este já começava a emperrar e a dar menos de si. Fechou o casaco sem apertar os botões, abraçava-se a si mesma: Ah! Ele dava uns abraços tão bons! Era uma almofada de um rapaz, fofo e aconchegante… O meu menino! Passava pelas campas sem prestar atenção a nenhuma delas, mesmo quando passou na campa dos seus sogros. Hoje era o aniversário de seu filho, o mais novo de seus filhos, o seu falecido filho. Sem prestar grande atenção, virou junto a uma campa e seguiu mais uns metros, o caminho já era algo intrínseco a ela. Pensava sobre melancólicos momentos, felizes momentos com seu filho, agora melancólicos, do outro lado da morte dele… Estes pensamentos foram interrompidos por uma voz que vinha de trás: “Julia Adam?! Você é Julia Adam não é?”

Interrompida e retirada de seus pensamentos privados, Julia virou-se para a voz: “Sim.” Respondeu num volume baixo e algo sinistro, tinha o intuito de fazer notar imediatamente que a situação e o local não eram adequados para o que a pessoa pretendia…

A senhora estava realmente feliz por ver Julia, feliz o suficiente para lhe faltar inteiramente o toque. “Oh! Que honra! Adoro os seus livros…” Mas naquele momento denotou que estava a ser indelicada e antes de dizer o que vinha a seguir calou-se. Guardou o bloco de notas que começara a levantar em direção de Julia e despediu-se envergonhada.

Julia agradeceu apenas com um mover de lábios que perfazia a palavra “Obrigada” mas sem efetivamente a dizer. Limpou uma lágrima e seguiu caminho até à campa de seu filho.

Chegou à campa e com as mãos nuas varreu as folhas e terra que se tinham acumulado sobre a pedra. Retirou as flores velhas e colocou no pequeno vaso as flores que tinha trazido. Montou o pequeno banco que trazia sempre e sentou-se. Deu mais uma sacudidela à campa e de seguida retirou do seu bolso um pequeno molho de folhas soltas e algo amarrotadas.

Começou a ler os poemas que tinha escrito essa semana, um dos hábitos das suas visitas ao seu filho. Leu e foi comentando o conteúdo, explicando qual era o seu ponto num poema, numa escolha de palavras. Chegava a responder por ele, criando completos diálogos sobre poesia e literatura em geral. No fim da leitura e debate de poesia, Julia ficou sentada, com os ombros caídos e as folhas de papel em suas mãos, a olhar para a pedra que cobria o seu filho.

Estava cansada, por vezes ficava incrivelmente cansada depois destas exposições e debates consigo mesma. Levantou o olhar e de seguida a cabeça e olhou, distraída, para um funeral. Já estavam a tapar o caixão, nem reparara na chegada de tanta gente… embora a campa fosse afastada, dada a quantidade de pessoas que tinha vindo, a multidão estava bastante próxima dela, quase junto a ela.

Olhou de novo para a campa de seu filho e olhou para as datas inscritas na pedra «30 de Janeiro de 1933 – 31 de Dezembro de 1975». “Tão jovem, meu filho!” As lágrimas e soluçares vieram de rompante! Não conseguiu falar durante uns minutos, estava incapaz. Imaginava sempre que falar em voz alta a ajudava pois ele poderia ouvir, de alguma forma que ela não acreditava, mas que com a agonia acreditava ao de leve. Ou pelo menos queria acreditar. “Que escolhas levaram a tão precoce morte, meu filho! Eras tão bom menino… Mudaste tanto! Fez-te tão mal ires para Berlim! Nunca me disseste o que fazias, e por muito que me dissesses o que fazias, sabia que era mentira…”

Ela parou por um momento… lembrava-se das imensas vezes em que falara com ele sobre como ele mudara, e que ela sentia que havia algo sob a superfície que o incomodava. Julia tinha sido desde jovem uma mulher extremamente sensível à humanidade das pessoas e muito inteligente, uma combinação muito poderosa na arte de ler pessoas. O seu filho tinha herdado muito destas suas características sendo ela a única que o conseguia ler devidamente.

“Sempre vi sob o teu véu… desde que o colocas-te que nos afastamos, meu pequeno…” Julia sentiu uma gota cair em sua mão suja de terra. Olhou para o portão do cemitério, levantou-se e já meia virada para este disse: “Vou-me embora. Feliz 50ª Aniversário Wilhelm!”

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