A subir e a descer pelo elevador

Uma alta mulher entra no prédio, está vestida em tons neutros, de alto a baixo. O único aspeto que realmente a realça após um olhar detalhado e demorado é a sua altura, de resto toda ela reside na mediocridade da ausência de características marcantes.

Vai direta ao elevador, clica no botão para subir e espera. Enquanto espera uma família barulhenta junta-se a ela na espera. Embora queira manter uma postura apática, contorce ligeiramente o lábio e pestaneja um pouco mais forte quando as crianças começam a pedir um chocolate aos berros. Olha em frente para a linha vertical que separa as duas portas do elevador, e escuta os ruídos da máquina transportadora.

Tim! Finalmente! O elevador chega ao rés-do-chão e ela entra primeiro, não só por estar quase colada à porta mas também porque ela vai até ao último andar, ou seja, estatisticamente falando (ou melhor, escrevendo) é ela que, em princípio, sai em último lugar.

As duas meninas já não pedem chocolates mas a temática ainda não mudou e conversam entre elas numa batalha de gostos em que “O chocolate vermelho é melhor que o azul!”, e por outro lado “Não não, o azul é que é melhor!” Os pais estão a debater o que jantarem, o típico deprimente quadro da mulher caseira e o homem impassível e desinteressado, e claro, não colaborador. Belherck! Estas banalidades mundanas enojam-me!

A família sai no quarto andar, ninguém entra. A incógnita senhora olha em redor, confirma que nenhuma câmara se encontra no elevador, a informação estava certa, mas: “O confirmar é amigo da liberdade!” Estas palavras disse-as muito baixinho, quase inaudíveis para ela mesmo, mas eu, como narrador omnisciente, ouvi-as perfeitamente. Coloca a sua enluvada mão direita no bolso do longo casaco e com um pequeno movimento um ligeiro click metálico faz-se sentir no seu polegar, a pistola está fora do modo de segurança, pronta a disparar.

Está a chegar ao 7º andar, o seu coração começa a acelerar e a potenciar cada batimento cardíaco, ela inspira profundamente, e expira profundamente. Este pequeno exercício acalma o sistema cardiorrespiratório e assim todo o corpo relaxa ligeiramente, todo o seu corpo se encontra em foco, em análise e em preparação.

Tim! 7º andar. O alvo deve estar… Mas as portas abrem e não aparece ninguém… Ela, de mão direita na pistola dentro do bolso, espera. Não sabe porquê mas esperava ver a sua vítima surgir à sua frente mal as portas abrissem, o fato deste imaginado mundo não acontecer desconcentra-a e esta sai do seu modo de ação e desvanece-se um pouco.

O momentâneo desvanecer da concentração é o suficiente para tudo correr mal, ela não clica no botão de bloqueio do elevador e as portas fecham. Ela, enquanto as portas fechavam pensava: Merda! Ele devia estar aqui e eu só tinha que dar-lhe dois tiros, um no peito, dar uns passos à frente e… Ah, as portas!

Pressionou no botão de boqueio demasiado tarde. Agora já se encontrava a descer! Filho da puta!

Voltará ao rés-do-chão, entretanto a máscara de apatia e serenidade já não existe. Desce na cota do prédio e desce na sua capacidade de continuar com a tarefa que tem adiante.

Tim! O já irritante som anuncia o 4º andar, uma senhora idosa desce com o seu neto.

“Olá! Como está? É nova aqui no prédio?”

A alta senhora demora a responder e quando o faz, simplesmente diz “Não.” Quando diz esta palavra, curta e seca, já se faz ouvir o Tim! do rés-do-chão.

A entrada do prédio está vazia. Felizmente! Pelo menos assim menos pessoas vão vê-la! No último segundo, aparece um senhor de entrega de pizas a correr pela porta a pedir para pararem a porta… “Pare a porta, pare a porta!” A assassina contratada não se mexe, ver o rapaz correr com três pizas em debilitado equilíbrio está a ser um espetáculo. Espero que se espete contra as portas e que eu ouça, ou melhor, que veja a sua cara de estúpido bater nas portas! Este pensar devolve-lhe confiança! Mas tal não acontece, a senhora idosa vira-se para trás e com a sua bengala evita que as portas fechem e estas abrem com um som de engrenagens contrariadas… A idosa diz algo chateada: “Você não viu o rapaz?!”

Mais uma vez um demorado responder num curto e seco “Não.”

O senhor entra no elevador a suar e com uma respiração ofegante e ruidosa; ouvem-se perfeitamente sibilos nas suas vias superiores. Deve fumar…

A assassina e o rapaz das pizas sobem juntos. Cheira mesmo bem, vou comer uma fatia de piza depois disto.

“Não me ouviu a gritar para parar a porta? Não lhe custava nada!” Que merda, já tenho duas pessoas que me viram e notaram neste prédio…

“Peço desculpa!” Toda a sua imagem muda, ela sorri, afinal até é bonita. Ele sai no 5º andar e ela para no 7º.

As portas abrem e ela dispara contra as costas do seu alvo enquanto ele fecha a porta do seu apartamento, dez passos depois, um tiro no crânio.

Desce, apanha o rapaz das pizas no elevador e pergunta-lhe: “Queres dividir uma piza comigo?”


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