O Pastor - Prólogo (1)

Caminhava sobre a erva molhada: Ainda se vêm algumas gotas geladas de água sobre as folhas… Quem caminhava era um senhor de seus quarentas, vestido com umas vestes desfasadas da data. Estávamos em 1983, mas este senhor parecia saído de um filme da época medieval, as vestes eram ricas mas arcaicas e gastas. Via as suas rudes botas, aliás o delinear de suas botas pela lama acumulada, adicionalmente a isto, apenas via a sua grossa e aparentemente pesada capa. Esta era verde carvalho e tinha uns bordados em suas fronteiras, como que para o proteger de magias desconhecidas.

O Pastor caminhava em direção ao cimo de um pequeno monte, junto às grandes ravinas que se debruçam sobre a ondulante enseada Moray Firth. Virou-se para a minha direção, mesmo para o local onde se encontrava o meu observar, tinha uma cara redonda e não apresentava barba. Levantou o braço, será que me via? O gesto não era um acenar, mas sim um chamar; um sinal para a gralha que tinha estado a voar este tempo todo sobre mim. Esta voou e aterrou gentilmente sobre a rude luva de cabedal que se elevava. Apercebi-me, agora que estava mais perto, que a capa deste estranho era assimétrica, no ombro esquerdo encontrava-se uma pequena saliência… A gralha voou para essa saliência – era um poleiro.

O senhor seguiu o seu caminho… deu algo à sua companheira, que o comeu usando a sua garra direita para o segurar, enquanto era levada no poleiro do ombro para o topo daquele pequeno monte.

Do outro lado do monte estava uma casa de madeira; suponho que era a casa deste misterioso homem pois ele dirigia-se para lá. A casa era pequena, provavelmente apenas possuía uma divisão, e tinha um pequeno alpendre. Esta localizava-se mesmo no meio do prado verdejante.

O senhor subiu ao alpendre e descalçou as botas (entretanto a gralha já residia num poleiro preso ao teto, a baloiçar levemente); molhou as botas num grande balde e removeu a maioria da lama. Abriu a porta (não me pareceu usar chave) e calçou uns chinelos rotos.

Dia de passeio agradável. Agora vou jantar, que é como dizer: Vou cozinhar, comer, limpar a loiça e guardar os restos no frigorífico.

“Isla! Anda cá.” A gralha voou e pousou na poltrona. “Olá!” Um momento passou, ligeiramente mais longo que entre humanos e Isla respondeu: “OlÁ!”

“Muito bem, muito bem!” Isla recebeu o seu presente e voltou para o seu poleiro favorito, no canto nordeste da casa.

Acordei bem-disposto hoje, ainda bem pois hoje tenho que encontrar as ovelhas… vai nevar esta noite. Em princípio…

Já me encontro há mais de duas horas a andar e ainda não vi nem um vislumbre longínquo das minhas ovelhas… “Isla!... Ovelhas!”

“Gaww!” De um momento para o outro Isla virou o seu voar e dirigiu-se mais rapidamente para uma outra direção – encontrou o rebanho!

O rebanho estava ao longo de dois montes contíguos, a pastar. As ovelhas, ao aproximar-se o Pastor, não se afastaram, sabiam que era ele. O Pastor dirigiu-se ao Bardolph e colocou uma trela na coleira dele. Trago-o para o celeiro, e com ele vêm todas as outras.

A meio da tarde começou a nevar e o verde da erva já estava transformado num estranho quadro, todo o verde não era mais que umas filadas de erva rodeadas de branco neve e de um céu branco como o que caía.

O vento bate na minha face. Já me dói a cara de estar a caminhar tão azaradamente contra o fustigante vento. O celeiro está perto da casa, mas não muito perto, cerca de meia hora a pé, não quero cá cheiros nefastos na minha casa.

Finalmente em casa. O Pastor clicou no interruptor das luzes mas estas não acenderam. Embora ainda seja de dia, já se vê como se de noite se tratasse. Tirou as botas dentro de casa. Demasiado frio… Calçou os chinelos. Acendeu uma vela que tinha sempre para estas ocasiões. O seu bruxuleante iluminar dança ao ritmo do meu mover pela casa. Acendeu mais três velas em diferentes locais da casa e sentou-se.

Isla já estava em casa quando cheguei, ainda bem que construí aquela porta no teto para ela entrar… estes ventos eram mesmo perigosos para ela.

Não me apetece cozinhar… estou cansado, acho que nunca tive que ir tão longe buscar as ovelhas…


Acordou.

O estranho quadro de ontem já está terminado, todo um nevão caiu, acho que vou ficar uns dias longos por casa junto à lareira a ler. Bem-haja ter posto todo um arsenal de comida para as ovelhas…


Anterior
Anterior

Uma bela leitura interrompida

Próximo
Próximo

A subir e a descer pelo elevador