Uma bela leitura interrompida

Joana lê na sua poltrona preferida, de pernas sobre os almofadados braços e livro sobre estas. Com a sua mão direita pega na página seguinte, numa ânsia de continuar a viajar a viajem do herói. A amarela luz do fim de tarde ilumina a sala e dá um aspeto mortal à cena.

Joana levanta-se e pousa o livro aberto sobre a almofada. Acende o candeeiro e prepara-se para retomar a leitura – um canino exagero deste preparar seria dizer que ela rodou sobre si mesma 3 vezes, sentou-se e antes de reiniciar o ler deu 3 voltas ao livro. Assentou completamente e voltou ao mover de olhos e aventurar com o seu herói improvável.

Já com uma das pernas levantadas para se restabelecer exatamente na posição anterior, alguém toca à campainha! Imediatamente a seguir o seu telemóvel toca. Raquel. “Olá Raquel! Como estás?… Estás à minha porta? …Já abro.” Enquanto diz esta última frase, Joana dá um balanço para trás e este dá-lhe uma força extra para se levantar. “Como correu a entrevista?” Ao pousar o livro este cai no chão, fechado! Perdi o fio à meada, detesto andar a folhear à procura de onde estava.

Joana abre a porta do prédio e continua a falar com Raquel, que lhe vai contando alguns detalhes da entrevista. Joana continua a perguntar detalhes mas denota que a sua amiga se retrai e oferece poucos pormenores e mantém a conversa vaga. Passa-se alguma coisa!

Dão beijos em cada face, cada uma delas, e vão para a sala, contígua à entrada (que na realidade não existe pois esta é na realidade a sala). Joana faz uma ligeira curva e direciona seu andar para a cozinha: “Queres alguma coisa da cozinha? Acho que tenho sidra…” Diz ela sabendo perfeitamente que tinha sidra pois tinha comprado dois packs no dia anterior… Raquel, enquanto pega no livro e vira-o para ler o título e autor, olha para Joana e diz: “Uma sidra caía mesmo bem!” Senta-se, de novo com seus olhos no livro e acrescenta: “Tens para aí algo para comer? Não lanchei nada… a entrevista arrastou-se iiimenso… Foi incrivelmente produtiva, sensacional aliás! Mas mesmo assim a fome não se deixa de sentir.”

Joana, já voltava da cozinha com duas sidras e parou, começou a virar-se para voltar e decidiu pousar já as garrafas. Voltou a virar-se para a sala e pousou as garrafas na mesa da sala.

“Estás a gostar do livro? Ouvi dizer que é aborrecido…”

“Estou a adorar… pela terceira vez!”

“Eh lá! Deves gostar mesmo dele! É bom então…” Raquel diz isto em tom de confirmação. Joana fica contente por, mais uma vez, Raquel valorizar a sua opinião. Com um obrigado no rosto, Joana responde: “É mesmo bom! Ele escreve bem e realmente entende o que é ser jornalista!”

“Sempre achei estranho um jornalista escrever ficção sobre jornalismo.” Agora falavam através da parede… “Porque é que não escreve simplesmente peças jornalísticas?”

De mãos num tomate, sob a corrente de água que sai da torneira, Joana responde: “O senhor tem ideias imaginativas que quer explorar e dar ao mundo, não vejo nenhum problema nisso.”

“Não ouvi, Joana! Falas sempre tão baixo…”

Joana vai à porta e apenas mostra a sua cabeça, para dar o efeito de cabeça voadora e repete a frase palavra por palavra, com um pequeno sorriso fechado em seus lábios.

Quando volta para a sala, Joana vê a sua amiga a ler o que parece ser a segunda página do livro, com um claro adormecer de todo o restante universo. Joana senta-se a seu lado e pousa um prato com uma saborosa sandes de guacamole, tomate e alface. Raquel olha para a sandes e depois para Joana: “Obrigado! Sempre saudável n’é?”

“Sempre! Quero viver por muitos anos!”

Depois da sandes, retomam a conversa acerca da entrevista. Joana decide ser direta e pergunta se se passa alguma coisa, pois ela parecia estar a evadir as questões…

Raquel endireita as costas e diz: “Primeiro prefiro ter a conversa pessoalmente, como experiência, mas hoje, especialmente pela segunda razão, segurança! …O Presidente mentiu! Era tudo mentira!”


Anterior
Anterior

Um pequeno quadro foi muito longe

Próximo
Próximo

O Pastor - Prólogo (1)