Um pequeno quadro foi muito longe

Num enorme estúdio em Moscovo, 31 pintores pintam há mais de uma semana. A contagem já ultrapassa as 2 centenas de quadros. Lev pinta uma réplica do retrato do presidente num tamanho reduzido – 15 cm por 20 cm.

Baía de Olenya.

O pequeno quadro é entregue ao capitão como presente pela sua condecoração e fica na fotografia, junto da medalha e do superior hierárquico vindo de Moscovo para a ocasião.

Zoran, enquanto recebe a medalha, com toda a face numa honrada felicidade mas um toque de humildade, para ser melhor recebido pelos seus homens (mas principalmente por causa de sua mãe), cheira um cheiro no Almirante Sergey que reconheceu… mas de momento não reconhecia o odor.

No dia seguinte Zoran, com os seus oficiais, está de pé sobre um submarino nuclear, na “parada” que festeja o início de mais uma missão secreta. Embora as nossas missões sejam secretas as nossas saídas são sempre uma festa – patriotismo! Algo irónico, mas bem precisamos dum caloroso despedir da nossa Mãe e dos nossos irmãos.

Algures no profundo oceano…

Zoran acorda, olha para o seu relógio e vê que está atrasado para o trabalho. Desfaz a barba, sempre perfeita e sai.

No leme está o Tenente Vadim que se levanta e faz a continência, Zoran devolve a continência e dá sinal para o homem voltar à sua posição. Está tudo calmo e seco, exatamente como Zoran (e qualquer capitão dum submarino) gosta.

Zoran fica de pé, a um metro atrás dos painéis repletos de botões, rodas, monitores de pressão... Do sítio onde está consegue ler os valores e assim o faz todos os dias, confia em seus homens, mas não deixa de confirmar o trabalho deles. É, para ele, uma das poucas coisas que o pode libertar do aborrecimento.

Hora de almoço e todos os homens sentam-se em redor da mesa, ou melhor, quase todos os homens, alguém tem que pilotar o submarino nuclear… Antes de se lançarem à refeição, todos os homens presentes fazem a continência, Zoran entra e responde com a sua continência. A sala é pequena, somente Zoran não toca com seus ombros em dois camaradas, atrás de si, sobre a sua cabeça, o pequeno quadro com o Presidente Gagarin olha para a sala e para os homens. O ajudante do Capitão Zoran liga o rádio e o hino da Federação Russa começa a tocar, todos os homens cantam com vontade.

A meio da música ouvem um estrondo e logo de seguida, um dos inúmeros tubos que passa pelo teto da sala rebenta e começa a molhar tudo e todos e a inundar a sala. Todas as continências descem e Zoran começa a gritar ordens, os seus olhos arregalados, quase tão grandes como os seus óculos cheios de gotas de água. Em meros segundos, Zoran já tem água pelo tornozelo. O Presidente no quadro chora tinta.

Zoran pega no quadro e vai para a sala de controlo. Exige explicações: “Foi um ataque hostil? Batemos? Avaria?”

Um soldado vem para junto dele e reponde: “Não detetámos nenhum navio ou submarino inimigo, o radar não soou o aviso de torpedo nem de aproximação de obstáculo. Suponho ser uma avaria, Capitão!”

“Supõe?! Isso não me chega quando podemos todos morrer na próxima hora!” Capitão Zoran estava no seu regular lugar, virava-se para um lado e para o outro a confirmar se todos faziam o que lhes cabia e sempre que necessário ajustava e mandava.

“Não sei dos mecânicos, vou procurá-los Capitão…” Depois de dizer isto o soldado esperou pela confirmação de seu capitão que veio num segundo: “Vai, homem! Mexa-se!” O soldado correu enquanto dizia “Sim, senhor!” e fazia uma continência.

Ainda de quadro debaixo de seu braço, Zoran olha em redor e procura… Ah, ali dá!... Pousa o quadro num tubo e, mais uma vez, o Presidente olha para os seus homens.

“Moscovo não vai gostar de saber disto… Georgy, vem cá! Distribui comida pelos homens, quero toda a gente no seu melhor, pelo menos morremos de barriga cheia.”

“O submarino está perdido, senhor! Já estamos num ângulo irredutível e a meter água por todo o lado…”

Zoran volta-se para o soldado Avgustin, seu braço direito: “Última checklist…”

Ele e o seu fiel soldado passam por todos os pontos da lista e somente um ponto permanece por eliminar. “Dê o sinal!” Um alarme toca e todos os homens que se encontram no submarino param! Olham para o altifalante como que à procura duma resposta, mas esta não vem. Engolem uma cápsula, e um a um caiem e morrem.

Zoran faz a continência ao seu líder enquanto vê os seus homens cair na água, segura-se com a outra mão pois o submarino desce a pique… Engole a cápsula, pressiona um botão folclórico e, enquanto ele cai, também o seu líder cai.


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Uma bela leitura interrompida