O Pastor: O treino de Bardolph (2)

O Pastor estava a caminho de casa, por um trilho pouco usado, com a sua enorme quinta entre ele e toda a civilização. Andava por estas andanças pois queria ver como estava a sua cerca, não queria deixar andar as ovelhas e depois estas fugirem e perderem-se.

Tinha às costas uma mochila com comida e instrumentos para compor alguma falha na vedação. Não viu nada por isso retornava para casa, já com uns bons quilómetros nas pernas… Caminhava com uma serenidade visível, quase palpável.

Ainda a 5 km da sua casa viu um pequeno cordeiro sozinho, completamente sujo com lama e muito magro. O Pastor pensou: Será meu? Não me lembro deste pequeno… Ah, não, estão todos no palheiro, ontem foi dia de contagem.

O pequeno cordeiro não se afastou do Pastor quando este se aproximou, somente se contraiu em medo e disse um leve “Meeh.” O Pastor pegou nele e disse: “Eh pá! Estás mesmo magro e ainda és bem novo…” Acelerou o passo e foi diretamente para o palheiro; felizmente tinha uma ovelha com um cordeiro que era ótima mãe. “Vou-te chamar Bardolph!” Disse quando o pousou junto do que se tornou a sua família adotiva.

O pequeno cordeiro sobreviveu e tornou-se em pouco tempo num dos elementos mais vivaços do rebanho, sempre junto do Pastor, lá à frente, a liderar a pastagem.

O Pastor estava em mais uma ronda de tosquias, Bardolph era um jovem carneiro. Quando chegou a vez do jovem este estava imensamente assustado e daí muito agitado; o que levou a que o Pastor o cortasse um pouco com a máquina de tosquia: “Agora é que vais ficar traumatizado!” E assim foi, no futuro, todas as tosquias de Bardolph foram uma apoteótica batalha!

Ao tosquiar o jovem carneiro, embora fosse da mesma raça de ovelhas do restante rebanho, o Pastor apercebeu-se que a sua lã era de muito melhor qualidade: Bem, acho que encontrei o meu próximo reprodutor! No mesmo momento que o Pastor decidiu que este seria o seu próximo reprodutor surgiu-lhe uma imagem de Bardolph a segui-lo numa trela e com ele, todo o rebanho…

Gostou da imagem e assim, passados uns dias chegava de Inverness com uma trela e uma coleira de cão. Colocou a coleira e não chateou mais o Bardolph. Para fasear ao máximo o treino. Este tinha estranhado imensamente a coleira; quando lha pôs, saltou, deu coices e vocalizou bastante, deixando todo o rebanho em sobressalto. Passada meia hora já estava calmo, mas nos dias seguintes, de vez em quando, tentava tirar a coleira com a pata de trás, sentava-se e puxava a coleira durante uns minutos. Depois ia à sua vida por umas horas e mais tarde voltava ao mesmo…

Estava um solarengo dia de primavera, o vento ainda trazia um frio bem desconfortável mas insuficiente para deteriorar o belo dia que fazia em todo o redor; o Pastor pegou na trela e foi para o palheiro. No caminho, foi usufruindo das flores e do canto dos pássaros, estava claramente bem-disposto e esperançoso da experiência que se seguia.

Chegou ao palheiro e todas as ovelhas olharam para ele, ansiosas para serem levadas para os campos, adoravam pastar pelos prados escoceses, e o Pastor, embora não admitisse isso muitas vezes, nem para si, também adorava passar o dia no campo.

O Pastor aproximou-se de Bardolph e colocou a trela, puxou levemente e o carneiro não queria vir. Um puxão um pouco mais forte e Bardolph aproximou-se do Pastor. Foram caminhando de puxão em puxão e com o passar do dia, o ovídeo ia tentando cada vez menos afastar-se do Pastor.

Vários dias de pastar à trela passaram em que Bardolph foi puxando cada vez menos; no início do dia portava-se sempre pior que no fim. Quando retomavam ao palheiro, o Pastor fazia sempre umas festas ao carneiro e este ficava contente, principalmente por se ver livre da trela.

Passadas duas semanas de todos os dias a andar à trela, Bardolph foi deixado em paz e sossego, sem trela. A normalidade estava aparentemente de volta, o Pastor a caminhar à frente, com o Bardolph por perto e o restante rebanho a seguir os dois, mas na realidade estavam a seguir Bardolph, e este seguia o Pastor. No fim do dia, e todos os dias a partir desse dia, para acelerar o passo do rebanho, o Pastor colocava a trela no pescoço de Bardolph e seguia o caminho mais direto para o palheiro; agora o jovem carneiro já não se debatia e vinha junto ao Pastor, no seu lado direito, sem dar puxões nem se queixar. Aliás, até que gostava de caminhar assim.


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