O dia de alimentar o peixe

Um ruído enervante remove-me do livro. Estava numa parte deveras interessante… prestes a aprender a fazer um Souflé Andromediano…

Ah, é o alarme para alimentar o Marco!

Tenho que ir, não posso passar 70 anos sem o alimentar como da outra vez…

O esguio homem, de longo casaco e grisalho cabelo caminha dentro da sua… bem, da sua nave espacial especial. Vai ao centro do centro de operações e liga uma estranha máquina, um enorme paralelepípedo transparente com algo a mover-se em seu interior. Este mover acelera e perde a heterogeneidade. O respeitável Doutor Pedro abre uma porta transparente com uma pega invisível. Inspira profundamente e salta lá para dentro… mas não consegue entrar, bate na geleia rodopiante e volta para fora. Ele sorri, ajusta os seus óculos de sol e avança para a geleia. Desta vez avança lentamente, braço direito primeiro e depois o resto: “Ui, ainda está fria… Sua bandida! Já estás a analisar o meu braço? Eu sinto-te a intrometeres-te em mim!” Ao dizer isto vai avançando lentamente para o interior do paralelepípedo. Olha para cima e de lá vem uma voz: “Sim Doutor, analiso toda a matéria que entra no Gel Elétrico-Analisador, e claro, campos magnéticos, correntes elétricas, e por aí fora… Mas tu sabes!”

“Eu sei que sei…” Pedro somente tem a cabeça e o braço esquerdo de fora, inspira profundamente mais uma vez, ganha folego e entra de uma só vez fechando a porta com uma outra maçaneta invisível.

Toda a geleia estagna e Pedro desaparece do interior da geleia, aparecendo noutro local, noutro planeta, noutro sistema estrelar, noutra galáxia, até se encontra noutro sector do universo. A sua viagem não acontece somente dum lugar para outro mas ainda de um momento para outro, neste caso, aproximadamente 1,3 milhares de milhões de anos terráqueos para o passado.

“Lar doce lar!” Em seu redor uma cozinha com um balcão, 4 bancos e todos os outros essenciais de uma cozinha. Esta está iluminada pela exuberante luz amarela do cair do dia. Pedro caminha até à sala e olha para Marco, no seu pequeno aquário esférico a nadar de um lado para o outro. “Olá meu pequeno estoico, como tens andado estes anos todos? Eu sei que para ti não ocorreram anos mas sim um só dia,” olha para o relógio, e após dois movimentos neste continua, “aliás 23 horas e 32 minutos!... Já sabes como sou com capicuas… desta vez acertei em cheio! Nada parecido com aquela vez em que ia escorregando para um buraco negro…” Estava feliz pela certeira viagem e por estar de volta ao seu 3º apartamento, tinha sido muito feliz neste pequeno canto da cidade… Pegou na comida de peixe e deitou uma pequena chuva de flocos de comida para a água, Marco nadou rapidamente para a superfície e começou a comer todos os pequenos e coloridos flocos. “Melhor assim?”

Pedro volta ao relógio e desaparece. Aparece no mesmo local, exatamente 24 horas depois, repete a chuva de alimento de peixe. Pedro aparece e desaparece imensas vezes; uma vez, aparece numa loja de comida de animais e compra uma enorme quantidade de frascos de comida de peixe. Volta à sua sala e repete, aparece, alimenta, desaparece, repete…

“Já estou nisto há um dia… em que dia estou? Ah, 23 anos e qualquer coisa… deve chegar por agora.” Deita-se no sofá e liga a televisão… “Nada de especial, talvez durma uma soneca, bem mereço, a alimentação do Marco está feita por 8640 dias, eheh, assim é mais fácil!”

Carrega no botão, e aparece no primeiro dia deste dia de alimentar Marco, coloca um papel com uma data 8640 dias mais tarde, desaparece e aparece na nave espacial no momento e local do início desta história.

De volta ao momento da primeira chegada, a porta do apartamento abre e Pedro e sua esposa entram e ele diz: “Vou confirmar se já alimentei o Marco… Ah, já está, obrigado Doutor!”

Anterior
Anterior

O Pastor: Introspeção (3)

Próximo
Próximo

O Pastor: O treino de Bardolph (2)