O Pastor: Introspeção (3)

O Pastor encontrava-se sentado numa rocha, somente uma leve aragem o tocava suavemente. Estava embrulhado na sua enorme capa por isso o vento apenas o tocava na face. Estava junto ao oceano, de costas para a homogénea paisagem e de frente para os verdes da Escócia e para o rebanho de ovelhas, Bardolph ao fundo.

O Pastor, chamado de Archibald, tirou do bolso um pequeno pente e com um movimento muito delicado penteou o seu cabelo de forma a este formar uma risca para o lado perfeita. Estava melancólico e nestes dias entrava sempre numa espiral introspetiva inquisitiva silenciosa – pensava sobre coisas em silêncio. Olhava mas não observava, embora o seu córtex registasse os sons, cheiros, o toque do vento, a posição dos membros, o sabor de sua saliva e a paisagem rural em seu diante, o Pastor encontrava-se inteiramente alienado a estes estímulos. Neste momento pensava sobre o dia…

O Sol está sobre mim num ângulo de quase 90 graus, a cerca de 8 minutos/luz de distância, ou seja, à cerca de 8 minutos estes fotões que levemente me aquecem encontravam-se numa estrela, a milhões de quilómetros de mim… Bolas! Estes pequenos viajaram mais nestes minutos que eu na vida toda… Talvez não, tenho 49 anos e embora relativamente ao planeta não tenha viajado tanto, relativamente ao Sol talvez tenha… Mas não sei ao certo, precisava de informação detalhada e de saber fazer as contas necessárias…o que não sei.

Permanecia parado, num ir e vir destes pensamentos, a usufruir do ato de pensar e a saborear a nova perspetiva.

Ah! Ainda há mais umas camadas, todo o sistema solar se move e a própria Via Láctea também… Eh pá! Agora é que já não entendo quem se moveu mais… Sorriu com o limite de seu saber. Imaginava enormes corpos cósmicos a moverem-se muito rápido na realidade, mas proporcionalmente lentamente.

Junto de si encontrava-se uma ovelha a comer erva, mesmo junto à sua bota esquerda, o Pastor estendeu a mão e fez-lhe umas festas. Continuava em seus pensares: Será que ela entende o que é o dia e a noite? Não creio, pelo menos como nós entendemos; provavelmente o dia para elas é a altura de comer, beber, excretar, reproduzir… basicamente tudo exceto o que fazem à noite – dormir abrigadas. Para nós não só se prende com as nossas tarefas, como com conceitos de bem e mal ou com toda a mitologia associada com estes dois momentos do dia mas claro, ainda, voltando ao aparente tema do dia, em termos de física, o mover da Terra sobre o seu eixo… Bolas! É sempre estranho imaginar que tudo em que me encontro está a rodar…

Agora o Sol está uns graus atrás de mim e isso significa que a janela de luz que incide diretamente no planeta se moveu um pouco e com isto o dia e a noite avançaram para diferentes partes do mundo.

Naquele momento levantou-se e caminhou entre o rebanho de ovelhas, a maioria delas nem se desviava dele, porque é que haveriam de o fazer, elas já lá estavam! Ele foi passando entre elas e passando a mão na sua lã… Assobiava uma música que o trazia fortemente para um momento de melancolia, saudade da sua terra e de seu país…

“Não! Não posso perder-me nestes pensamentos, rapidamente estarei aqui a chorar de saudades de tudo, e de todos…” Desta vez não se limitou a pensar, precisava da determinação do falar alto consigo mesmo para se controlar.

“Onde é que eu estava… Ah!” O dia e a noite… Pois é, isto tudo move-se num vazio em redor duma esfera a arder… nada estranho! Riu-se um pouco. Agora o vento fustigava-o fortemente e a sua capa voava como se se tratasse do Super-homem, exceto em todos os restantes aspetos. Colocou o gorro e apertou melhor a capa.

O vento a moldar o mundo… neste momento está a moldar uma enorme vontade de ir para casa, mas ainda é cedo (o Sol ainda está muito alto). Todos estes montes foram mais afiados mas o vento não os perdoou e foram sendo digeridos pela lenta e paciente abrasão do mover do ar… Quem me dera voltar a ver as montanhas da minha infância… bem mais altas e bem mais afiadas. Lá não tinha que aturar um vento tão constante como aqui junto ao mar, nem isso nem whiskey a todas as refeições… “Ui! Que exagero!” Sorria.

Tenho o que necessito para sobreviver, e até vou vivendo, dependendo do dia e da disposição… Hoje não sei em que categoria me colocaria mas, estar aqui a passear nesta bela paisagem e sem grandes preocupações provavelmente cai mais no lado do viver… Mas mesmo nestes dias de viver temos que fazer para sobreviver – vou almoçar.

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