Álibis e Limitada

Um homem de seus quarenta anos descia umas escadas de madeira para uma cave. Acendeu a luz e esta revelou uma enorme cave. Montes de velharias acumulavam e ocupavam o espaço. Uma bicicleta coberta de uma camada de pó de pelo menos 10 anos estava deitada no chão perto de uma porta. O homem dirigiu-se à porta e entrou.

O seu escritório estabelecia uma enorme diferença face à cave por pintar: iluminada, estava tudo arrumado, limpo e os objetos eram da presente década. Mais ninguém estava na divisão. A principal faceta da sala eram as enormes estantes repletas de dossiers, a outra era uma única secretária que se encontrava no centro da divisão. Nesta repousava um telefone de disco, um bloco de notas aberto e uma caneta com a tampa por pôr. A tampa nem vê-la.

O homem olhou para o relógio que trazia no pulso, um relógio digital, daqueles pretos com com calculadora, que já ninguém usava. 08:59:59.

“Trriiiiimm… Trriiiiimm!” Disse o telefone.

“Álibis e Limitada! Em como posso ajudar?”

“Bom dia. Bem… No outro dia eu faltei ao trabalho e fui...” Disse uma hesitante voz masculina.

“Eu não preciso de saber onde foi.” Interrompeu o senhor na cave. “Os serviços que prestamos focam-se nos locais, nas atividades que você pretende que se tornem a versão oficial da narrativa. O seu álibi. Temos uma variedade de serviços, todos eles garantidos de resolver as pequenas chatices da vida.”

“Ótimo! O meu chefe anda-me a chatear porque tenho faltado muito e agora está a pedir papelada para provar….”

"Você já avançou alguma justificação concreta pela qual se tem ausentado do seu posto de trabalho?”

“Não, apenas conversas vagas, sobre assuntos pessoais e coisas do género."

“Portanto nada que exigisse da sua parte o adquirir de um bilhete, alguma atividade que tenha um rasto de papel?”

“Não, nada. Só conversa de chacha, mas agora ele está a insistir! Tenho que lhe dar alguma coisa.”

“E é para isso que nós estamos aqui. Para resolver este assunto vou precisar das datas e horas em que se ausentou do seu posto de trabalho e eu tratarei do resto. A papelada estará pronta em 48 horas. A justificação será do foro médico, nada embaraçoso, algo sério, mas não debilitante que o coloque numa situação de incapacidade face às suas responsabilidades, mas que justifique as variadas faltas.” O telefonista apontava no seu bloco de notas os detalhes da conversa.

“Ah…” Suspirou o preocupado homem. “Será que me podia enviar os documentos amanhã?" Perguntou o estranho ao telefone.

“Sim, claro. Mas ao preço base vai ser adicionada uma taxa de urgência. Sim?"

"Sim, sim. Você é um anjo!"

"Aqui na Álibis e Limitada estamos sempre com os nossos clientes nos piores momentos. Ajudar é o lema da casa!”

Antes de terminarem a conversa foi efetuado o pagamento. O homem na cave pousou o auscultador do telefone e esperou uns 10 segundos. Como o telefone não tocou, levantou-se. Dirigiu-se a uma estante e pegou numa pasta que tinha na aba escrito Álibis Médicos, repetitivos/crónicos.

Sentou-se na secretária e abriu a pasta. Na primeira página estava um compreensivo índice com as diferentes doenças e condições que poderiam servir de justificação. Cada uma tinha umas páginas de texto e informação para dar ao cliente para este parecer sabedor de sua doença. Adicionalmente havia uma lista de médicos, especialistas e ainda instituições que poderiam ser dadas como as que prestaram os serviços ao cliente.

O Álibista folheava o enorme tomo quando o telefone interrompeu o silêncio.

“Álibis e Limitada! Em como posso ajudar?”

“Olá? Preciso de um álibi para a sexta-feira passada… à noite.” Disse uma voz feminina.

“Muito bom dia, minha senhora. Que género de álibi necessita?”

“Bem, eu disse ao meu marido que fui sair com as minhas amigas.”

“Muito bem. Este é um simples caso de dar provas ao seu esposo que efetivamente esteve com as suas amigas.”

“Isso seria ótimo!"

“Preciso que me envie uma foto sua e das suas amigas e eu tratarei de arranjar uma imagem em que é claro que vocês estiveram juntas na sexta-feira passada. Pode enviar as fotos para o endereço na nossa página, no endereço…”

“Sim, sim, já estou a enviar…. Já devem estar aí.”

O Álibista abriu o novo email e abriu o anexo. Eram várias fotos de mulheres a beber e a sorrir para a câmara." Um arrepiante suor frio fez-se sentir na sua nuca.

“Já estão aí?” Perguntou a voz ao telefone.

“Ju, querida? És tu?”

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