O Doutor e o Porto

Um esguio homem gesticulava enquanto contava uma ridícula história sobre um estranho planeta num tempo onde todos os relógios foram destruídos.

“Quem é aquele interessante senhor?” Perguntou uma mulher. Rupert não se tinha apercebido que alguém se tinha aproximado. A sala de estar era maior que o seu apartamento. Cada vestimenta ali exposta e cuidadosamente medida para se acomodar ao utilizador valia mais que toda a sua roupa junta.

“É o Doutor.” Respondeu Rupert, soltando um leve sorriso.

“Doutor Quem [Doctor Who]?”

“Exato…. Com licença.” Rupert foi para junto do grupo de pessoas em redor do Doutor para ouvir a história.

“e depois… Rupert!" O Doutor abraçou Rupert, ajustou o laço e continuou. “Aqui o nosso Rupert convenceu o imperador a dar-nos a chave do seu cofre, ali, sem lhe explicar nada nem lhe dizer quem éramos."

Alguém deu uma palmada nas costas de Rupert. “Muito bem!”

Tim Tim Tim. Alguém bateu com um garfo num copo. Era o anfitrião e dono de toda aquela ostentação. Rupert, há meses em viagens com o Doutor, já nem se lembrava como eles tinham chegado ali. Nem quando era ali…

“Meus caros, hoje é um dia de festejar! A minha filha acabou de ser nomeada como Líder do Partido! Parabéns!” Toda a gente se virou para a mulher de meia idade ao lado do anfitrião e esta agradeceu com uma clara falsa modéstia. [Se é para falsear modéstia é bom que se o faça devidamente!]

“E para a presentear, e a vocês meus caros amigos, hoje vamos beber o Porto Vintage que comprei no ano passado no leilão." Um aperaltado funcionário trouxe uma garrafa numa bandeja de prata e outro igualmente aperaltado senhor chegou com os cálices. “Colheita de 1815 meus amigos, é mais velho que tu John! Ehehe!” John riu-se e levantou o copo.

A bebida foi vertida suavemente pelos cálices e o leve escorrer na face interior do cristal anunciava o vindouro álcool.

“Viva!”

Todos bebericaram a dupla centenária bebia e começaram a comentar o quão bom era.

“Que achas Rupert?” Perguntou o Doutor depois de molhar os lábios na bebida.

“É maravilhoso! Incrível!”

A noite não trouxe nada mais incrível que aquele vinho e o fato da Líder do Partido ser a senhora que 9 anos depois assinaria a lei que em última análise salvaria o mundo.

No fim da festa, Rupert e o Doutor retiraram-se da sala de jantar e dirigiram-se para o enorme jardim nas traseiras da mansão.

“A gaja, pá, eu sei que ela vai, basicamente, salvar o mundo, mas é um pouco seca…”

De mãos no bolso, o Doutor simplesmente caminhava, contente por poder trazer Rupert aos confins do universo, ou simplesmente a Surrey. Abriu a porta azul da cabine telefónica da polícia, pousada no meio do jardim. Dentro da pequena cabine, uma enorme sala repleta de geringonças e sons assaltavam os sentidos.

“Que achaste dela?” Perguntou Rupert.

Enquanto tocava em botões, ligava e desligava um enorme candeeiro, o Doutor simplesmente disse. “Bem, é uma senhora aborrecida, mas é boa pessoa.”

“E aquele Porto? Era maravilhoso!” Suspirou Rupert.

“Já bebi melhor…. Agora coisas sérias. Para quando? Ou para onde?” O Doutor olhava para Rupert com um sorriso maroto.

Rupert devolveu um similar sorriso. “Porto em 1815?”

*

Swoosh!

A Tardis materializou-se numa cave em Gaia em 1817. Em toda a volta, montanhas de barris e estantes repletas de garrafas de vinho. O ar era fresco, mas agradável.

"Na realidade não estamos no Porto em 1815, mas sim numa cave em Gaia, em 1817."

"Enganaste-te outra vez?" Perguntou Rupert.

"Não! Vamos procurar a garrafa, deve estar por aqui…."

Rupert e o Doutor separaram-se. 10 minutos passaram. Ambos espreitavam os rótulos de garrafas.

“Aqui!” Gritou o Doutor. “Aqui está ele. Anda cá!”

Rupert veio a correr para junto do Doutor. Tirou a garrafa da mão do Doutor e leu com atenção. Era a mesma garrafa, não apenas o mesmo vinho do mesmo ano, mas sem 200 anos de envelhecimento, mas literalmente a mesma garrafa da qual eles beberam em 2017. “Uau!” Rupert arregalava os olhos e olhava para o Doutor.

O Doutor pegou na sua Chave de Fendas Sonora e Zing! A rolha saltou da garrafa.

Rupert levou a garrafa aos lábios e bebericou. Moveu o líquido na boca e finalmente engoliu. Silêncio.

“E?” Inquiriu o Doutor.

“Nhe… Sabe ao mesmo.”

Os dois soltaram uma gargalhada e voltaram para o enorme paralelepípedo azul que estava no meio da cave.

Desapareceram, para outro tempo, para outro local, para outra aventura.

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