“Mas eu não uso tangas.”

“Boa tarde Sô Dona Josefina. Que se passa com o Kiko?”

“O meu Kikinho tem estado a vomitar bastante… Hoje de manhã cheguei a casa… sabe, estive uns dias fora com umas amigas. Fomos passar uns dias ao Algarve.”

“Muito bem… E o Kiko tem vomitado desde quando?” Perguntou o Veterinário.

“Não sei Doutor, estive fora como lhe estava a dizer. O meu marido não notou nada até esta manhã.” Josefina segurava em mãos um embrulho feito de um cobertor e um pinscher preto e castanho. O pequeno e lingrinhas cão mal abria a boca e tinha saliva em seus lábios.

“Vamos lá ver o Kiko.” O Veterinário fez sinal para Josefina pousar o Kiko na mesa. Iniciou o exame físico ao cão e continuou a conversa. “Comeu alguma coisa hoje?”

“Nada.”

“Ok… Ele tem dor no abdómen. Ups!”

Kiko vomitou na mesa um viscoso líquido amarelado, quase verde.

“Não se preocupe, eu depois limpo. Quantas vezes é que ele vomitou hoje?”

“Muitas.”

“Um número aproximado, duas, três… dez!”

“Bem, deve estar perto das dez.”

“Muito bem, Sô Dona Josefina, vamos ter que fazer um raio-x ao Kiko. Uma das possibilidades é que ele tenha um corpo estranho no estômago ou nos intestinos e pode ter uma obstrução.”

Josefina abraçou o Kiko e uma lágrima formou-se no canto dos seus olhos.

“Pode não ser nada, só uma indigestão, mas infelizmente, pela história há uma grande possibilidade de que ele comeu algo que não devia.”

*

Pip! Pip! Pip!

“Posso abrir?” Perguntou a Veterinária.

“Sim, está estável.” Respondeu o Enfermeiro que auscultava o Kiko.

“Então vamos lá.”

Meia hora passou e a veterinária já tinha inspecionado o intestino em toda a sua extensão, não aparentava ter nada. Passou para o estômago e havia algo no interior, algo que se deformava.

“Está aqui qualquer coisa. Vamos ter que abrir o estômago."

Uma bela incisão no estômago revelou um tecido dentro. A Veterinária puxou vigorosamente e o tecido lá saiu. "Estava a obstruir o piloro, parte já estava no duodeno."

“O que é?” Perguntou o enfermeiro, curioso ao ver o rendado tecido na mão da veterinária.

“Bem…” A Veterinária pousou o tecido num recipiente metálico e abriu-o. “É uma tanga! Ehehe! ” Riu-se e imediatamente o Enfermeiro juntou-se a ela com uma gargalhada.

*

“O Kiko está bem, mas é melhor ficar internado e a fluídos pelo menos até amanhã. Se tudo correr bem, amanhã podem vir buscá-lo." A Veterinária segurava o telefone entre o ouvido e o ombro. As mãos dedilhavam no teclado as notas da cirurgia. “O que era? Bem, era uma tanga.” Do outro lado da linha um silêncio fez-se ouvir. “Devia estar perdida no chão e pronto, o Kiko lá a comeu. Sabe como são os cães!"

“Mas…” Sussurrou Josefina. “Mas eu não uso tangas. Nunca usei, não gosto. Eu não tenho tangas em casa! Tem a certeza?”

“Ewh… Sim, Sra. Josefina, era uma tanga. Mesmo coberta em fluidos estomacais e comida meia digerida, era claramente uma tanga de renda vermelha.”

Depois de um momento de silêncio, Josefina gritou. “Filho da puta do João!”

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