O Comboio Fúnebre

Já passava da hora, o comboio estava atrasado… Junto à plataforma, uma família aguardava impacientemente. A criança constantemente a fazer perguntas à mãe, que embora estivesse a esforçar-se para não perder a paciência, já gritara um cibo com a pobre criança. A menina chorava, a mãe chorava, os tios choravam. Ninguém trazia malas, toda a gente estava bem vestida, o preto é a cor dominante.

Junto a eles residia o Sr. Mills, deitado dentro num paralelepípedo de madeira, guarnecido com pouco mais que um pouco de verniz, defunto.

“Toda a gente tem o seu bilhete?” Perguntou pela quarta vez o Sr. Walter, esposo da filha do Sr. John Mills, adorado pai, adorado avô, assim-assim sogro.

A família olhava para ele, olhares de tristeza profunda. Toda a gente acenou com a cabeça o mais leve acenar.

Esperaram mais meia hora, o Sr. Walter disse umas inaudíveis palavras à esposa e afastou-se do lúgubre grupo.

Dez minutos depois Walter voltou num aglomerado de gritos, de insultos e de incompreensíveis sons, vermelho que nem um maduro tomate. A esposa agarrou a filha e olhou para ele, à espera de respostas, sabendo perfeitamente de que estas não seriam boas.

“Filhos duma grandessíssima…! Cancelaram o comboio!” Cuspiu Walter.

George, outro filho do defunto, agarrou o braço de Walter e este virou-se.  “Como? Como cancelado? Todos nós temos bilhetes!” Disse George, exaltado.

“Bem, pelos vistos, se apenas houver um funeral, DE SEGUNDA…!” Gritou Walter para a estação de Waterloo inteira ouvir. “… O comboio é cancelado. Já falei com eles e amanhã está marcado outro funeral, um Lord qualquer, por isso vai haver montes de gente a ir para o cemitério… Não nos cancelam o comboio outra vez.”

 

Na manhã seguinte, a família Mills e Walter, acompanhadas do falecido, chegaram à estação de comboio Waterloo e foram presenteadas com um oceano de pessoas. Dos milhares, a maioria pertencia à comunidade indiana londrina. Esta onda de gente estava levemente ponteada por um ou outro caucasiano senhor.

O Sr. Walter, sempre inquisitivo, virou-se para um jovem adulto que ali estava e perguntou quem morrera. O jovem adulto olhou para ele; este tinha bigode, óculos e impecável fato, e respondeu com um tom formal no seu sotaque indiano. “Morreu o Membro do Parlamento (MP) Charles Bradlaugh, por isso é que todos os indianos de Londres e arredores vieram prestar o seu respeito.”

Embora inquisitivo, o Sr. Walter era ignorante de tudo que era política e suas personagens, muito menos que o jovem que lhe indicou quem falecera, era nada menos que Mohandas Gandhi, um futuro líder da campanha para a independência da Índia face ao Reino Unido.

O Sr. Walter voltou para a família e pagou ao dono da carroça fúnebre.

A família sentou-se no comboio, alguns deles em claro desconforto por estarem rodeados de indianos - o irmão mais velho de George estava encolhido contra a janela de forma a não tocar na senhora que a seu lado se sentava.

A viagem passou-se sem eventos fora do comum, exceto o facto de toda a gente ter em si uma face de profunda tristeza e perda. Chegados à estação do cemitério Brookwood, esperaram pois a locomotiva tinha que dar a volta para os levar para o cemitério.

Passados uns minutos voltaram a andar, desta vez no sentido inverso. Passaram por um portão branco e entraram no cemitério. Toda a gente achava que olhar para o exterior duma janela de comboio e ver em toda a extensão um campo de campas era uma visão pouco natural.

O funeral do MP foi numa sala destinada aos funerais de primeira classe e os Mills e Walters foram para uma pequena sala ao lado, mas no mesmo edifício – A Estação Norte do Cemitério Brookwood.

A cerimónia foi muito simples, o padre rezou as rezas que tinha que rezar, um curto sermão sobre Jesus e a nossa relação com a morte e o Reino do Senhor. Depois dos ajoelhares e recitares deste pequeno grupo de católicos, chegara o momento de levar para a terra o defunto, e assim dizer a última despedida.

O Sr. Walter levantou-se de forma decidida e foi o primeiro a pegar numa das pegas do caixão, os filhos do falecido e o seu irmão mais velho vieram fazer a sua parte. Levantaram o caixão e seguiram o padre até ao buraco na terra. George estava inconsolável, agarrado à esposa. Mary, olhava para a mãe, beicinho nos lábios e lágrima no canto do olho.

Depois de tapado o buraco toda a família voltou para a sala de segunda classe. As mulheres ficaram lá dentro enquanto os homens foram ao bar beber uns cervejas e falar de guerras e afins. Temas masculinos, para se desviarem da dor e sentimentos que sentiam neste dia terrível.

Em todo o redor da estação do norte ainda havia um monte de gente a tentar ouvir as palavras do funeral do MP.

A família juntou-se mais uma vez na plataforma, desta vez sem caixão, para voltarem para Londres, para as suas vidas.

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