O Pastor: Uma Conversa e um Livro (10)

“Podia dizer-me onde fica a biblioteca?” A senhora não entendeu que o Pastor se dirigia a ela e continuou a caminhar, este avançou um pouco mais rápido e deu um pequeno toque no ombro da senhora, repetindo a mesma pergunta. Ela virou-se algo surpresa: “Desculpe! Não entendi que falava comigo… Ah! Archibald! És tu! Como andas?”

Ele sorriu; desde que tinha vindo para a Escócia que conhecia a senhora Elisabeth, era a dona da mercearia em que ele costumava fazer as compras. “Estou bem! E tu? Estou a ver que não me conheceste… estás com pressa?”

“Não, estava distraída. Querias saber onde fica a biblioteca? Vives aqui há tanto tempo e não sabes onde fica a biblioteca?!”

Mais uma vez, mais um sorriso, o Pastor gostava de se meter com a senhora Elisabeth, davam-se bem desde o início. “Sei, queria só ver se me ouvias… e não ouviste.”

“Ouvi mas como não vi que eras tu segui em frente, sabes… Não quero parecer importante e tudo que é falado é dirigido para mim, senão na loja estava sempre a interromper conversas alheias.” Trocaram mais um sorriso, o Pastor ainda se riu um pouco pois tinha sido exatamente assim que eles tinham começado a falar na primeira vez que ele foi à sua loja. Ela continuou: “Mas vais à biblioteca ou era só conversa?”

“Vou mesmo à biblioteca, vou requisitar um livro, lá em casa já li tudo mais que uma vez e está a ficar aborrecido… e tu não vendes livros.” Esta troca de sorrisos já se está a tornar um pouco repetitiva de escrever mas eles efetivamente riram-se mais uma vez. Desta vez ela, ele não, contraiu-se um pouco de algum embaraço que sentiu nesta conversa… Era uma mulher casada e estava aqui numa conversa já um pouco deturpada da sua posição… Ele sentira o mesmo mas a sua compostura era impecável, nem tinha sido exatamente isso para que tinha sido treinado e trabalhado tantos anos no continente antes de vir para a Escócia. O embaraço fez com que ela terminasse a conversa antes de este momento se tornar numa realidade palpável, numa longa conversa, num café, num toque, numa noite de sexo, numa vida alienada da sua família e… O Pastor estava muito mais tranquilo, se me perguntar, demasiado tranquilo para quem está na brincadeira com uma senhora casada e ela a gostar aquele pedaço que é talvez demasiado. Mas pronto, ele é que sabe…

 

O Pastor entrou na biblioteca e dirigiu-se ao balcão da receção. Aí, uma jovem senhora cumprimentou-o e perguntou-lhe se já tinha cartão da biblioteca. A sua negativa resposta levou à sua inscrição tornando-o no Leitor Número 577. Ela disse que lhe fazia uma visita guiada à biblioteca mas ele disse que preferia conviver com os livros no seu passo pessoal…

De mãos atrás das costas, virando a cabeça para um lado e para o outro foi lendo os títulos dos livros. Um deles chamou a sua atenção: “O espião que saiu do frio” de um tal “le Carré”. No momento que leu a palavra espião, ui! a volta que deu a sua cabeça: mentiras, mentiras, mentiras e uma pitada de nojo. Estava meio inclinado para a frente, pois o livro estava na segunda prateleira a contar do chão; e assim permaneceu o pastor Archibald, mas uma parte de si via a sua esposa morta e chorava! O Pastor endireitou as suas costas e quando se virava para sair da biblioteca sentiu uma lágrima na face direita… passou rapidamente a mão por cima dela, fungou o nariz no lenço e preparou-se mais uma vez para sair da biblioteca.

Descia as escadas enquanto a simpática jovem senhora que o inscreveu há minutos atrás subia e parou: “Já de saída? Quando falou comigo parecia que ia passar a tarde toda aqui… Ah! Já encontrou um livro!” O Pastor estava surpreendido com a declaração, olhou para a sua mão e realmente o livro que despoletara tamanha salganhada na sua mente estava entre seus dedos. “Ah! Si…Sim, este pareceu-me interessante!”

Ela baixou-se para tentar ler o título pois o Pastor não mostrara devidamente o livro, aliás mal o mexera e a sua mão tapava grande parte do objeto… Ele denotou que estava contraído e mostrou devidamente o livro à senhora, mas sem exagero algum, estava de novo em controlo.

“Muito boa escolha Sr. Archibald!” Ambos desceram para a receção e o Pastor levou o livro para casa.

 

Leu o livro num quase frenesim, a história fazia-o pensar na sua antiga vida, diversas vezes imaginou que John le Carré era quase um amigo que contava a história de um colega de trabalho seu ou a sua… Mas a história vinha do outro lado do muro, falava dos seus inimigos que o obrigaram a esta vida longe da sua querida Alemanha Oriental.

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