O Golpe ao Corredor Vasari

A noite já ia longa em Florença. Os únicos habitantes das ruas eram a leve brisa de Verão e o Antoni.

Antoni virou a esquina e viu a Igreja da Santa Felicidade. A fachada estava tapada pelo Corredor Vasari, suspenso por colunas arqueadas, acima da rua, acima da populaça. Antoni pensou na sua família, na pobreza dos italianos ao longo dos séculos enquanto os Medici reinavam na sua incalculável riqueza. Reis sem coroas que construíram um corredor fechado que atravessa a cidade, só para não terem que se misturar com os pobres. Uma clara linha diferenciadora entre os ricos e poderosos, e os pobres desamparados.

O Corredor Vasari passava (e passa) pela Ponte Vecchio, onde no século XVI a família de Antoni vendia carne. No ano da construção do corredor, por causa dos odores do processo de putrefação, os talhantes foram escorraçados da ponte para os Medici não terem que cheirar o cheiro dos pobres. 

“Mesmo no seu corredor privado! Mesmo a 4 metros de altura do chão; mesmo assim era demasiado perto!” Disse Antoni, baixo, entre dentes. Abanou a cabeça e correu para a enorme porta de madeira da igreja. Sob o corredor, Antoni passou uns minutos a desmontar a fechadura e finalmente abriu a porta da igreja.

Ao abrir a porta esta chiou alto, anunciando o assalto. Antoni abriu e fechou a porta rapidamente. Espreitou pelo buraco da fechadura. Ninguém à vista. Piuf! Antoni relaxou.

Virou-se e à sua frente estava a nave da igreja, iluminada pela leve luz que a noite permeava pelas altas janelas. Antoni caminhou pela igreja, sem pressas. Olhou em redor, mexeu nos objetos pousados no altar, deixando-os um pouco ao lado do local onde estavam anteriormente.

“Já chega de passeios…” Disse Antoni para si, resoluto. Ajustou as luvas e pegou na mochila. Tirou da mochila uma besta pneumática e posicionou-se imediatamente abaixo de um balcão que estava sobre a entrada da igreja. Ajoelhou-se e armou a besta com uma seta metálica que estava presa a uma corda.

Apontou para o teto do balcão e disparou. O coice foi imensamente forte, mas Antoni já o esperava. A seta pregou-se na pedra sobre o balcão. Antoni puxou a corda com todas as  suas forças. A corda não se moveu nem um milímetro, estava segura.

Mais uma visita à mochila e desta vez tirou um ascensor de punho. Ligou-o à corda e, sem grande esforço, subiu corda acima e alcançou o balcão. 

“Então era daqui que os Medici viam a missa! Filhos da Puta!” Disse Antoni, olhando para a igreja. Virou-se e à sua frente estava uma grade metálica recheada de losangos. Do outro lado estava o interior do Corredor Vasari.

Antoni pegou numa lata e colocou umas enormes luvas sobre as luvas de látex. Apontou a lata para a grade e o azoto líquido saiu num esfumaçante inverno. O azoto estava a uma temperatura de -189 ºC e gelou as grades em poucos segundos. Antoni gelou as grades de forma a criar um enorme retângulo. Pegou no martelo e puxou a culatra. Antes de partir a enorme grade parou. Se calhar sai se eu puxar com força! Guardou o martelo na mochila e agarrou o centro da grade. Puxou com toda a sua força e esta cedeu. Todos os pontos gelados pelo azoto partiram imediatamente. A grade era imensamente pesada e caiu no chão. Por pouco que não acertava num dos pés de Antoni.

Antoni entrou no corredor e virou à direita. Olhou em direção à câmara e piscou o olho. Quem fosse ver as imagens das câmeras de segurança de manhã não veria a sua falta de humildade pois este usava uma máscara para cobrir o rosto.

Correu pelo corredor, caso um dos seguranças estivesse acordado e a olhar para as imagens ao vivo. Chegou ao seu destino, a Galeria de Autorretratos do Corredor Vasari. Na sua mente iniciou a lista que estudara em casa e que visitou há umas semanas atrás. Rembrandt. Rafael, Bernini, Vasari.

Estavam todos ali à sua disponibilidade. Antoni preparou a caixa de transporte. Colocou um minuto no temporizador e iniciou a contagem decrescente.

 Pegou no Rembrant e tirou-o da parede. Nada. “Será que o alarme é silencioso? De qualquer maneira eles já sabem que estou aqui. Colocou o quadro na caixa e dobrou uma grossa esponja sobre ele. Deu uns passos ao lado e pegou no quadro de Rafael e fez o mesmo. 

Correu uns metros acima e pegou no retrato de Bernini. Correu de volta e colocou-o sobre os outros. Colocou mais uma folha esponjosa sobre as obras primas e correu em direção ao quadro de Vasari. 

Tick Tick Tick. Vários zeros anunciavam o fim do tempo para Antoni. Este voltou para trás e fechou a hermética caixa. Pressionou um botão e pegou nas alças da enorme caixa. Dentro desta, um mecanismo altamente preciso comprimia as enormes espumas de forma aos quadros não se moverem no que vinha a seguir – a fuga!

Antoni voltou para trás e quando ouviu o som de água corrente parou. Foi ao bolso das calças e tirou um pequeno dispositivo. Colocou-o sobre um quadro no valor de milhares de euros. Correu até à esquina e virou. Protegido clicou num botão vermelho de uma aplicação do telemóvel e o dispositivo explodiu num ensurdecedor ruído. 

Enormes pedaços da parede voaram em todas as direções. Uma nuvem de pó cobria os escombros da parede que já não era.

Antoni correu em direção ao enorme buraco que a explosão formou e saltou. Estava na Ponte Vecchio, sobre o rio Arno. Antoni desceu em queda livre e furou a superfície da água como um enorme prego.

Quando Antoni veio à superfície, um barco aproximava-se e um sorriso familiar cumprimentava-o.

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