O Pintor Ambulante

João chegou à estação de autocarros com tudo que possuía. Uma mochila com a pouca roupa que podia apelidar de sua, um balde e uma sacola ao ombro com as suas tintas e pincéis dentro. O valor dos utensílios de pintura apresentavam um enorme valor emocional para João pois fora a sua falecida mãe que lhe dera tais instrumentos dez anos atrás. Mas nestes meses de deambular pelo interior português, estes utensílios traziam a João o pão que come, a sopa que beberica da colher, a maçã que numa noite de fome devora. Eram mais do que memorabília.

João deambulou pela pequena vila transmontana, sempre de olho nos negócios locais: uma padaria, uma peixaria, um pequeno talho, um mecânico, um posto dos correios, bem, um de cada. A vila era bastante pequena, por isso, João também devia ser o único espécime do que fazia – Pintor de Anúncios.

“Bom dia!” Cumprimentou João.

“Bom dia!” Devolveu o mecânico, suspeito.

“Está um belo dia, não está?”

“Siim.” Respondeu o mecânico, ainda mais suspeito.

“Tem aqui uma bela garagem…. Eu sou pintor de anúncios. Aqui no seu portão, ou ali em cima…” João apontava e abria os braços dramaticamente. “…ficava bem um belo anúncio, com o seu nome e ao lado da sua enorme porta, o horário. Prometo-lhe que vai ficar incrível!”

O homem, de chave inglesa em riste, parou de rodar o pulso e olhou para João. “Não me chateie…. Aqui quase ninguém sabe ler. Deixe-me em paz.” O mecânico voltou a sua atenção para a chave e porca e retomou o rodar do pulso.

João ficou por momentos especado a olhar o homem trabalhar. Finalmente desistiu e foi-se embora sem se despedir.

A sua pesquisa continuou. Sempre a receber olhares de todos que pelas ruas caminhavam. Na rua principal, claramente a única rua em que dois carros se podiam cruzar sem dificuldades, a rua que atravessava a vila, João viu uma bomba de gasolina.

“Bom dia.” Cumprimentou João. 

O recetáculo do seu cumprimentar estava sentado numa cadeira de jardim junto da entrada da pequena mercearia da gasolineira.

“Boa tarde! Já é tarde…” O senhor, de seus quarentas e com o grisalho a tocar os seus cabelos aqui e ali, voltou à sua leitura. 

"Verdade, meu caro senhor.” João sorriu.

Sem levantar o olhar o homem perguntou. “Que quer?”

“Eu pinto sinais e anúncios…. Você tem aqui uma enorme vidraça, ficaria maravilhoso eu pintar o nome do seu estabelecimento com um enorme desenho duma mangueira de gasolina. Que acha?”

O homem olhou para João e levantou-se. Marcou a página onde estava e pousou a revista pornográfica na cadeira. "Olhe lá que nem é má ideia… E quanto ficaria o estrago?”

Os dois homens acordaram termos e João passou imediatamente para a limpeza do vidro. De seguida preparou as tintas e sem hesitar iniciou o seu trabalho.

Com decididas pinceladas, João desenhou a palavra Bomba numa linda e perfeita letra. A palavra passou a ser uma forma artística nas mãos de João. 

Bernardo, o dono do estabelecimento, voltou às suas ecléticas leituras e de vez em quando olhava para o trabalho de João, como que para confirmar que ele não tinha escapado. 

Um carro parou na bomba. Bernardo marcou a página da revista e levantou-se. Cumprimentou o freguês e encheu o depósito do veículo. Palavras trocadas e depósito cheio, ambos entraram na pequena mercearia.

João pintava a palavra Gasolina, mais especificamente a letra L, uma das suas favoritas. João estava sobre um escadote que Bernardo lhe emprestara quando ouviu um enorme estrondo advindo de dentro. Olhou e viu Bernardo de mãos no ar. Nas mãos do cliente estava um revólver.

Bernardo tremia enquanto tentava abrir a caixa registadora. O assaltante gritou. “Rápido!”

Bernardo abriu a caixa e deu ao homem o pouco dinheiro que ali tinha, provavelmente o que fizera nos últimos dias.

O homem pegou no dinheiro, e guardou-o no bolso. Correu para a porta. Mal passou a porta, um balde cheio de tinta preta foi contra a sua cabeça. O assaltante espalhafatou-se no chão. John saltou do escadote e pegou no revólver que caíra das mãos do homem e sorriu para Bernardo.

“Este serviço é extra?" Gozou Bernardo; ambos riram-se.

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