O Pastor: Uma nova companheira (4)

O Pastor caminhava o seu caminho. O caminho não era seu, apenas era o caminho por ele delineado na hora, sem aparentes influências externas. A poucos metros atrás dele o seu rebanho seguia-o, aliás, seguiam o carneiro guiador – Bardolph – que andava na sua trela e coleira.

Caminhava nos verdejantes prados da região, belos e verdejantes. À sua direita encontrava-se um bosque, repleto de variedade, principalmente em contraste com a aparente homogeneidade do prado. Embora simples à primeira vista, o prado possuía diferentes espécies de ervas, alguns pequenos arbustos, rochas de diferentes tipos e eras, diferentes inclinações… Reinava a ubiquitária humidade típica da região. “Ou está húmido ou molhado.” Isto é o que a gíria do sítio ditava de geração em geração, até as crianças conheciam o dito dito.

A caminhar, com seu rebanho e seu pensar, o pastor Archibald residia em pensamentos acerca da possibilidade de algo fora do universo. Pensava nisto pois tinha lido um artigo no jornal em que uns físicos alegavam que esta possibilidade se encontrava na Matemática. Estes pensares eram por vezes interrompidos por um MEEEH mais próximo ou por um pequeno ajustar de rota. Mas de repente, ouviu algo que não só interrompeu como cessou todo o seu pensar cosmológico – “Gaw gaw!”

Uma gralha! Está mesmo perto! O som vinha da sua esquerda, a meros metros de si pois o volume assim o revelava. Caminhou nessa direção e deu sinal ao rebanho para parar. “GAW GAW Gaw!” Entre a erva alta, viu um vulto de penas pretas a debater-se. O pastor tirou o casaco e a camisola, voltou a vestir o casaco, pois o frio rondava na região, e atirou a camisola sobre a gralha. Esta debateu-se imenso sob a camisola, sentia-se ameaçada! O senhor tentou apanhar as suas garras e aprendeu da pior maneira que o maior perigo era realmente o bico, foi bicado três vezes, felizmente através da camisola, só depois é que conseguiu conter a criatura.

Delicadamente, usando o seu tato de forma a entender o que é que se encontrava e onde, o Pastor tirou a camisola por cima da cabeça da gralha e começou a inspeção. De joelhos no chão, e parte do corpo da ave contido entre as pernas, foi inspecionando o que se passava… Rapidamente viu que estava presa num laço metálico, provavelmente destinado a raposas… O laço estava em redor da perna esquerda, e devido às imensas tentativas de escapatória da gralha, este já tinha cortado a pele escamosa e sangrava. Já se observava algum sangue seco o que indicava que isto já tinha mais que uns minutos.

Embrulhou a gralha como se de uma encomenda se tratasse e dirigiu-se para casa. Passada uma hora, onde pouco movimento sentiu por parte da ave, já estava em casa a recolher o que possuía de útil para tratamento de feridas.

 

A gralha comia bastante bem, mesmo com o pastor perto dela. Felizmente o senhor tinha um medíocre conhecimento de carpintaria e construíra uma jaula em duas horas. A ferida ia sarando lentamente, mas no final de uma semana a gralha já pousava a pata, embora ainda se denotasse uma preferência pelo poisar assimétrico.

 

No dia que marcava as duas semanas da chegada da nova inquilina, abriu a rude jaula junto ao seu alpendre e a ave voou desenfreadamente, claramente feliz por se ver livre daquelas paredes incompletas que a contiveram por duas semanas.

O pastor viu a ave bater as asas, chamar por seus familiares e conhecidos e perder-se na distância, aliás, antes disso já a perdera de vista pois ela voara para Este e antes desta desaparecer no horizonte já se fundira com o anoitecer.

 

Dois dias depois, enquanto comia o pequeno-almoço, ouviu um Click Click! Olhou para a direita e a gralha estava a bater na sua janela. Ficou surpreendido! Ainda entreteve por um momento a ideia de que poderia ser outra gralha com um anormal comportamento, mas o pousar ligeiro de sua perna esquerda não enganava – era a mesma gralha. Levantou-se e abriu a janela. A gralha, no abrir da janela saltou para chão do alpendre, mas ao ver a janela aberta e o Pastor fora do caminho entrou para a casa e pousou sobre a jaula.

Deve ter fome. Levou-lhe um pedaço de pão e esta tirou-lho mesmo da mão, sem o bicar.

A gralha ficou por casa e passou a seguir o Pastor em seu pastorear. Ele estava deliciado com a sua nova companheira. As semanas passaram e a gralha confiava cada vez mais nele, ao ponto de pousar sobre a sua cabeça, mas ele, embora gostasse disso, também não gostava.

“Ah ah! Já sei, já sei como resolver isto. De volta à carpintaria!” – Disse ele com um indicador virado para o céu.

Dois dias depois, o Pastor caminhava nos prados com um pau acoplado à sua capa sobre o seu ombro esquerdo, e sobre este a gralha Isla, a tratar de suas penas.

Anterior
Anterior

Sessão de estudo noturna

Próximo
Próximo

Uma casa no telhado